Federação Nacional dos Médicos - Flipbook - 29
µ 29 | FNAMZINE | setembro 2024
Entrevistas - Utentes
É TEMPO DE A POPULAÇÃO DIZER BASTA !
ANTÓNIO AIRES RODRIGUES, Comissão de Utentes em defesa do SAP24 da Marinha Grande, 79 anos
funcionamento ao longo das 24h do dia, todos os dias da
semana, tal como era garantido inicialmente pelos médicos do centro de saúde da Marinha Grande. Foram reduzindo, reduzindo, e já não garantem essa valência sem
falhas. Está cada vez mais desfalcado. Mas a nossa luta
foi sempre prosseguindo, nunca esmoreceu, e mantemos
viva a exigência da manutenção deste tipo de serviços,
que são fundamentais para evitar o entupimento dos serviços de urgência do Hospital de Leiria.
Tem um longo percurso antes de se dedicar à Comissão de
Utentes em defesa do SAP24 da Marinha Grande, consegue
resumir-nos um pouco do seu trajeto?
Antes de me dedicar à Comissão, já tinha um longo percurso
político, associativo e sindical. Estive no Maio de 1968, em
Paris, onde vivi exilado e trabalhava como operário na fábrica da Renault. Com o 25 de Abril voltei a Portugal. Desde o 25
de Abril que estou na zona da Marinha Grande, onde ajudei à
constituição de várias comissões de trabalhadores. Os seus
direitos, atribuições, formas de eleição, etc. Essa experiência, além de reconhecimento público na região, somou-se
ao meu trabalho na Manuel Pereira Roldão, uma empresa
vidreira na qual trabalhei como comercial, com funções de
colocação dos produtos nos mercados francófonos. Nesse
âmbito esteve também envolvido nas lutas laborais, que tiveram o seu auge no combate ao cavaquismo. Estou em crer
que essa luta, a par da luta da ponte 25 de Abril, ambas reprimidas pela polícia de choque, foram muito importantes
para levar ao fim desse ciclo político de 10 anos de governos
liderados por Cavaco Silva.
E como começa este desafio de organizar uma Comissão de
Utentes?
Esta Comissão iniciou a sua atividade em 2007, quando
lutávamos contra o encerramento dos Serviço de Atendimento Permanente (SAP), despoletado pelo então Ministro
da Saúde Correia de Campos. Já tinham sido encerrados vários centros de saúde pelo país, em particular na zona centro.
E como o fizeram?
A Comissão de Utentes constituiu-se em função da necessidade de juntar a população em defesa desta conquista.
Juntaram-se todas as tendências políticas e sindicais, de forma muito aberta e unitária. Além disso juntaram-se pessoas
com muita ligação à região, que estiveram na Assembleia
Municipal, no sindicato vidreiro, e das extensões de saúde de
Vieira de Leiria e da Moita.
Como é que tudo aconteceu?
Em 2007, precisamente a 26 de julho, emitimos o primeiro
Fomos procurando defender
o SNS, e a manutenção
dos centros de saúde abertos
com todas as valências.
comunicado, onde recusávamos o encerramento do SAP24 da
Marinha, e desde aí se seguiu um longo processo de luta, em
boa medida vitorioso, posto que é o único SAP a funcionar
no país. A data inicial de encerramento prevista pelo governo
de então era outubro desse ano, e ainda hoje, quase 20 anos
depois, ainda está aberto.
E continua a funcionar a 100%?
Não. Já lhe retiraram valências, já não funciona como devia e
como funcionava antes. Foi levando machadadas, um pouco
à imagem de todo o SNS.
Como é que têm feito para manter o SAP 24 aberto?
Essa luta tem sido feita com base em mobilizações frequentes
dos utentes e da população em concentrações e manifestações. Todas muito expressivas. No inicio, houve mesmo um
abaixo assinado com mais de 6 mil assinaturas. A população
da Marinha Grande tem sido a grande responsável pelo sucesso desta luta. Uma luta que começou contra os encerramentos do Correia de Campos, mas já estivemos na luta ao lado da Comissão de Utentes da Anadia contra o encerramento
dos serviços dessa região em 2012 em apoio às mobilizações
dos médicos contra o encerramento dos 16 serviços de urgência que se pretendiam fechar nessa altura. Enfim, praticamente todos os anos, depois da nossa vitória, fomos procurando defender o SNS, e a manutenção dos centros de saúde
abertos com todas as valências.
E quais são as outras reivindicações?
Lutamos pela redução do número de utentes sem médico de
família, exigindo aos governos mais contratação de profissionais, sobretudo médicos e enfermeiros. Queremos isso para
que se resolva a falta de recursos humanos para assegurar o
E têm conseguido reunir com quem de direito? Como é
que está a situação atualmente?
Fomos sempre recebidos pelas administrações e quando
não eramos, convocávamos a população e logo se desbloqueava a questão. A presença da comunicação social
obrigava a esse atendimento. Face às falhas sucessivas do
SAP, avançaram para a contratação de médicos em regime de precariedade, os tarefeiros. Tomámos de imediato
posição e alertamos que essa solução é contrária à natureza do SNS. O SNS é contrário à precariedade. A consequências disso é o agravamento que temos à vista, onde
além das insuficiências se soma a imprevisibilidade. Face
a tudo isto, atualmente, só há garantias de disponibilidade permanente aos fins de semana, porque esse período
é garantido pelos médicos efetivos do centro de saúde.
Nos últimos anos, a média de atendimento nesse período
é de cerca de 50 utentes por dia, o que deixa bem claro a
sua necessidade e serve de retaguarda às urgências do
Hospital de Leiria.
E a responsabilidade, no seu entender, é de quem?
Os sucessivos ministérios da saúde, ao invés de reforçarem o investimento, apostaram na desintegração do SNS
e tentaram fechar novamente o SAP este verão, felizmente uma vez mais sem sucesso. Nós de imediato pedimos
para reunir com o presidente da Câmara Municipal, informamos os demais autarcas locais, e temos a garantia de
que o SAP da Marinha Grande vai continuar, mas estaremos vigilantes para ver em que condições. Da nossa parte, e disponíveis para voltar às 24h de forma regular.
Que soluções acham necessárias para melhorar a situação?
Sabemos que estas questões não são exclusivas da Marinha Grande. Acontecem por todo o país. Por isso temos
estado ao lado da FNAM e dos médicos na luta pela contratação de mais profissionais. Ainda recentemente estivemos com o SMZC no Hospital dos Covões, mas também
estivemos na manifestação nacional da FNAM e dos seus
sindicatos em frente ao Ministério da Saúde, com a participação de muitos utentes. Temos a convicção que vai ser
preciso que as várias Comissões de Utentes espalhadas
pelo país se organizem entre si, para dar uma resposta
conjunta capaz de defender o SNS em todas as suas valências. É necessário um movimento nacional de utentes em
defesa do SNS, lado a lado com enfermeiros e médicos.
µ FNAMZINE | UTENTES