Federação Nacional dos Médicos - Flipbook - 28
µ 28 | FNAMZINE | www.fnam.pt |
Entrevistas - Utentes
“HAVIA QUEM
TEMESSE UMA
REVOLUÇÃO
NO SNS”
ROGÉRIO OLIVEIRA,
Comissão de Utentes da ULSAM, 55 anos
Como é que se decidiu envolver na organização
da Comissão de Utentes da ULSAM?
Em 2018, foi-me diagnosticado uma neoplasia pulmonar (estádio IV), que tem um impacto
grande na vida de uma pessoa. Eu era professor de artes, mas tinha que iniciar tratamento
de quimioterapia e radioterapia, e mais tarde,
iniciei uma imunoterapia que se prolongou por
três anos. A minha condição levou a que me fosse passado um atestado multiusos com 80% de
incapacidade, através do qual obtive a reforma
por invalidez.
Da sua experiência individual, então, deu-se
conta da necessidade coletiva da Comissão de
Utentes?
Exato. Quando iniciei os tratamentos, comecei
a questionar algumas insuficiências, nomeadamente a falta de radioterapia na ULS de Viana
do Castelo. Pela minha experiência pessoal, dei
conta que há muita informação que escapa aos
utentes e percebi que tinha que fazer alguma
coisa sobre o assunto. A minha situação pessoal
foi só um motivo, pela qual me apercebi que a
radioterapia é uma ferramenta de recurso muito
importante no combate ao cancro. Em março do
ano passado, por exemplo, tive que fazer 8 sessões. Agora faço vigilância de 6 em 6 meses, mas
a qualquer momento posso precisar de mais
uma dose.
Quais são as principais limitações identificadas
pela Comissão de Utentes?
Do ponto de vista do utente, as pessoas lamentam sobretudo a falta de consultas, do tempo de
espera, de verem os médicos exaustos, a falta de
valências técnicas, onde dão argumentos economicistas… A saúde não devia ser vista sobre
o prisma do lucro. Em Viana, por exemplo, quem
quer fazer radioterapia tem que ir a Braga ou ao
Porto, com deslocações muito grandes, desconfortáveis e dispendiosas. Quem faz esse tipo de
tratamentos sabe o desconforto que é a deslocação. Há doentes em fases avançadas, muito
debilitados, que têm que fazer duas horas de
viagem de ida e volta, quatro horas dentro de um
transporte. Não se pode poupar em alguns capítulos da vida. Na alimentação das crianças, na
saúde de todos, o critério não devia ser o lucro.
E outras questões?
Outra limitação é a ausência do serviço de Nefrologia. Quem faz diálise tem muitas vezes que
se deslocar também a grandes distâncias para
fazer os seus tratamentos. A Pediatria, em Viana,
funciona em contentores há cerca de uma década. Agora falam em melhorar os contentores em
vez de avançar de vez com a ala pediátrica. Há
muitas falhas. Mas sabemos que isto não é um
problema local, é algo que acontece um pouco
por todo o país.
A saúde não devia ser vista
pelo o prisma do lucro.
µ FNAMZINE | UTENTES
Como se deram conta que tinham que se envolver também na defesa do SNS?
No último ano, muito por aquilo que o movimento dos médicos conseguiu, com as greves, as manifestações e a recusa em fazer horas extra além
dos limites legais, com o Sindicato dos Médicos
do Norte, a FNAM, o Movimento dos Médicos em
Luta percebemos que existiam muitos problemas que nós desconhecíamos, que não imaginávamos que existiam. Ouvir notícias sobre
encerramento de alguns serviços nos hospitais,
encerramento de urgências, particularmente
de Obstetrícia, quando o nosso país era exemplar nesse campo, encerramento de cirurgias
em alguns dias, entre outros exemplos, fez-nos
sentir que tudo o que tínhamos como certo estava, afinal, a escapar como água entre os dedos.
Achamos que era preciso alertar o povo para
isto, compreender o que está a acontecer, pois
se, hoje em dia, até há mais riqueza, mais bens
materiais e facilidade em adquirir produtos,
porque razão sentimos o SNS em perigo como
nunca imaginamos ser possível?
E como foi esse envolvimento? Que caminho foi
feito até estarem junto aos médicos nas manifestações?
Todo esse movimento dos médicos teve muita
força na ULSAM e foi crescendo em todo o país.
Cada vez que ouvíamos os médicos mais espantados ficávamos com as dificuldades que
eles e o SNS vivem. Ficamos preocupados, claro, mas muito agradecidos pela capacidade de
comunicar o que se passava. Eles foram os primeiros a avisar o Ministro, com a carta aberta,
de que as coisas estavam no limite e que algo
teria que ser feito.
O movimento foi tão forte que havia quem temesse uma revolução no SNS. Estamos do lado
dos médicos e dos profissionais de saúde, e por
isso temos ido às manifestações. Algumas pessoas acham que os médicos querem trabalhar
menos e ganhar mais, quando os médicos estão
a lutar por condições de trabalho digno para poderem servir os utentes sem estarem exaustos
e sem terem que ir para o privado ou para o estrangeiro à procura dessas condições.
E sente que as pessoas estão a mudar a sua perceção?
Apesar de tudo acho que ainda falta fazer muito.
Ainda muita gente não compreende o problema
e continua sem se mexer e sem fazer seja o que
for. Não podemos ficar sem defender o SNS. Como lhe disse no início desta entrevista, foi nesse
contexto que percebemos que era urgente criar
uma Comissão de Utentes em Viana. Nesse processo, começamos a perceber que essa organização era fundamental para sermos recebidos
pela Administração da ULSAM, sermos integrados nos conselhos consultivos, termos acessos
aos dados e à informação. Estamos em contacto
já com os médicos, queremos fazê-lo também
rapidamente com os enfermeiros, outras comissões de utentes, e vamos ajudar a lutar na defesa do SNS.