Federação Nacional dos Médicos - Flipbook - 9
µ 09 | FNAMZINE | setembro 2024
Relatos SNS MGF
O que é ser Médico de Família
em Portugal?
CARLA SILVA
MÉDICA DE FAMÍLIA NA USF DE CONDEIXA
Sr.ª Ministra, sabe o que é ser Medico de
Família em Portugal?
Quando me pediram para falar sobre a
Medicina Geral e Familiar em Portugal, as
perguntas que me vieram à mente foram:
Quantos somos? Quem somos? Onde estamos? O que fazemos?
Pois bem, apenas que vou responder à
pergunta, quem somos?
Não vou responder às restantes perguntas, dizendo que a nossa especialidade
já ultrapassou os 40 anos em Portugal,
que neste momento somos 5391 Médicos
de Família (MF) a trabalhar no Serviço
Nacional de Saúde (SNS), dos quais 45%
têm mais de 65 anos de idade, que a nossa distribuição geográfica pelas antigas
ARS é de 2212 no Norte, 1632 na região de
Lisboa e Vale do Tejo, 1029 no Centro, 274
no Alentejo e 247 no Algarve. Ou ainda
que a taxa de cobertura por MF é de 83%
da população, com 1.736.761 utentes sem
MF, dos quais 1.139.885 vivem na região de
Lisboa.
Como os Cuidados de Saúde Primários
são importantes para colocar o país em
lugares de destaque a nível internacional
(22º melhor Serviço de Saúde do mundo)
através aos indicadores de saúde tais como a taxa de cobertura vacinal nacional
de 95%, a taxa de mortalidade infantil de
2,6%, ou ainda que a taxa de morte por
causas evitáveis e tratáveis, bem como
dos internamentos é das mais baixas da
União Europeia.
Para isso basta consultarem as várias fontes bibliográficas disponíveis na web.
No entanto, arrisco-me a dizer que se perguntasse a diferentes pessoas que vivem
em diferentes regiões do nosso país, sobre o que é ser MF teria respostas diferentes. Estou mesmo em crer que se fizesse
essa pergunta aos diferentes Ministros da
Saúde com quem a FNAM já se sentou na
mesa negocial teria respostas muito díspares e muito provavelmente distantes da
realidade.
No entanto explicar o que é ser MF, não
se torna tarefa simples ou fácil. Torna-se
mais simples saber o que faz um cardiologista, um pneumologista ou um psiquia-
tra. Poderia dizer de forma muito telegráfica que o primeiro lida com questões do
coração, o segundo preocupa-se com os
pulmões e o terceiro cuida da saúde mental. Na verdade, nós, os MF, não nos dedicamos a uma parte específica do corpo,
nem da alma. Não trabalhamos maioritariamente nos hospitais e a nossa maior
preocupação não é a doença, mas antes
a saúde. Somos especialistas em todas
e quaisquer queixas que as pessoas nos
apresentam e temos de saber responder
a qualquer solicitação.
Abordamos a saúde e a doença na pessoa que se nos apresenta, tentado ter em
conta o conhecimento ou opinião que
esta tem sobre as suas queixas, quais as
suas preocupações, medos e que recursos tem para lidar com a doença. Não nos
limitamos a cumprir com as mais recentes orientações científicas, que simplesmente nos poderão levar ao insucesso, se
não tivermos em conta o que atrás afirmei. A receita ou o plano terapêutico pode estar ao alcance das nossas mãos, logo
na primeira consulta, ou então solicitamos auxílio aos cuidados hospitalares.
Não damos altas clínicas como os médicos hospitalares e só o próprio utente poderá decidir quando não precisa mais dos
nossos cuidados. Mantemos o elo entre o
Somos os médicos da linha da frente
no campo de batalha saúde-doença
No entanto, é necessário que haja médicos que saibam integrar toda a informação
que cada utente carrega consigo, o que é bastante complexo, para em seguida dar
a assistência médica mais acertada e personalizada. Portanto trabalhamos nos
Centros de Saúde (muitos deles com graves problemas de infraestruturas e com
limitados recursos terapêuticos e dispositivos médicos) junto das comunidades,
somos a porta de entrada e a ponte para os cuidados hospitalares.
utente e os hospitais, acompanhando todo o percurso deste no SNS. Não fazemos
urgências médicas, no entanto resolvemos todas as situações agudas que não
necessitam de cuidados hospitalares
e prestamos os cuidados urgentes pré-hospitalares.
Assistimos vezes sem conta ao nascimento de novas famílias, acompanhando
as grávidas, os recém-nascidos até completarem 18 anos de idade, preocupamo-nos em manter os rastreios oncológicos
e a vacinação atualizados ao longo da
vida. Seguimos as doenças crónicas mais
prevalentes da nossa população como a
diabetes, hipertensão, doença pulmonar
obstrutiva crónica, entre outras. Acompanhamos os idosos até casa, fazendo
consultas no domicílio e quando possí-
vel, estaremos lá na morte.
Somos especialistas em Medicina Geral e
Familiar, o que parece um contrassenso,
pois como se pode ser especialista em algo tão geral?
Por isso Sra Ministra da Saúde, se esta linha da frente for enfraquecida, tentando
resolver os problemas dos serviços de
urgência hospitalares, deslocando os
médicos de família para outros postos de
trabalho como sendo os Centros de Atendimento Clínico, em vez de estarem nos
Centros de Saúde de segunda a sexta-feira das 8h às 20h, a batalha estará perdida
e o SNS será derrotado.
Assim, lhe pergunto, Sr.ª Ministra Ana
Paula Martins, uma vez que tem obrigação de saber, sabe o que é ser Médico de
Família em Portugal?
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