Federação Nacional dos Médicos - Flipbook - 8
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Relatos SNS Hospitalar
Em defesa do SNS
SNS, Médicos e gestão
PAULO PASSOS
CIRURGIÃO NA ULS ALTO MINHO
Recorrentemente, acompanhando as cíclicas e cada vez
mais graves dificuldades nos Hospitais do SNS, principalmente no atendimento aos doentes urgentes cujo
impacto mediático é exponenciado pela possibilidade
de ocorrerem tragédias, surgem vozes culpando quer a
pretensa falta de médicos quer a deficiente gestão dos
recursos humanos. A primeira surge, habitualmente,
pela voz da classe política por motivos que discutirei
adiante, a segunda, mais ligada a comentadores, indicia,
na maioria das vezes, a mais confrangedora ignorância
do tema, facto que não lhes permite irem além do banal.
Num notável exercício de desonestidade intelectual,
tivemos a infelicidade de ouvir o Sr. Primeiro Ministro,
num comício no Pontal, bem como a ex-Ministra da
Saúde, Dra. Marta Temido, num artigo do Jornal Expresso, defendendo a abertura de novos cursos de Medicina
como forma de resolver a falsa questão da falta de
médicos em Portugal. Para além do papel absurdo que
o Sr. Primeiro Ministro aceitou representar, propondo,
num dia em que existiam 5 urgências Obstétricas encerradas, uma solução que, na melhor das hipóteses, levaria 13 anos a produzir efeitos, importa clarificar a questão do número de Médicos em Portugal e o motivo pelo
qual encerram serviços de urgência.
No SNS existem, no que aos Médicos importa, 2
problemas: um deles estrutural, o outro conjuntural,
estando intimamente ligados e decorrendo o segundo
do primeiro. Segundo dados oficiais, Portugal é o
2º país da Europa com maior rácio de médicos por
100.000 habitantes, estando acima dos valores médios
europeus. Por outro lado, e segundo as mesmas fontes,
o rácio de médicos que trabalham no SNS em Portugal
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está abaixo da média Europeia. Sublinho que isto é um
facto, não é uma opinião nem sequer uma interpretação dos números, pelo que podemos concluir que existe
um número elevado de médicos em Portugal, mas ele
é deficitário no SNS. E este é o verdadeiro problema
estrutural do nosso SNS, e a partir do qual é necessário
reflectir, perceber as consequências e tirar conclusões. E
a conclusão mais obvia é que o nosso SNS não é atractivo
para os Médicos.
As consequências de um défice estrutural de médicos
no SNS são perfeitamente perceptíveis e traduzem-se
no elevado número de Médicos que são “obrigados”
a realizar mais de 500 horas extra por ano, sendo que
muitos serviços hospitalares vivem no limite das suas
possibilidades, apelando constantemente à capacidade
de resistência dos seus quadros médicos.
Em períodos muito específicos do ano (férias, por
exemplo) ou perante situações inesperadas de doença
dos próprios Médicos, alguns dos serviços que vivem no
limite deixam de ter capacidade assistencial no serviço
de urgência levando ao seu encerramento, e de uma
forma menos visível e mediática, o mesmo se passa nas
consultas externas e nas cirurgias.
E sendo este um problema sazonal e conjuntural, de
facto ele só existe devido ao défice estrutural de que
enferma o SNS. E é por esta razão que a FNAM defende
medidas estruturais que possam tornar mais atractiva a carreira no SNS, pois só elas permitem reverter a
situação dramática em que se encontra o SNS. Naturalmente que, no imediato, podem ser necessárias acções
conjunturais ( as únicas que os últimos (des)governos se
propõem realizar), e a FNAM tem toda a disponibilidade
para as discutir desde que, em simultâneo, sejam imple-
mentadas soluções estruturais. Sem estas últimas, as
medidas conjunturais apenas perpetuam os problemas.
Esta é, pois, a única forma séria de discutir o problema.
Perante tão disparatadas declarações, poderemos
questionar-nos se o Dr. Luís Montenegro e a Dra. Marta
Temido desconhecerão a realidade ou, como diz o nosso Bastonário, estarão mal assessorados. Creio que não!
Penso que as declarações de ambos são estrategicamente ponderadas de forma a atingir dois objectivos.
O primeiro, mais comezinho, como mera manobra eleitoralista no sentido de enganar os incautos cidadãos,
apresentando uma pseudo-solução toda ela artilhada
de demagogia e populismo.
O outro objectivo, uma agenda escondida, tem uma clara
marca política/ideológica, que passa pela tentativa de
proletarização da classe médica para que, num futuro
próximo, possa ser o mercado a regular uma população
de desempregados. E este segundo objectivo, muito
mais grave, serve interesses que não servem ao SNS!
Quanto à hipotética má gestão dos recursos humanos
( e quem o diz tem sempre a preocupação de deixar sub-entendido que só os privados podem gerir bem), não
ignorando que existem problemas em algumas áreas,
esta justificação não colhe na questão do encerramento de serviços de urgência. E por uma razão muito
simples: não há nenhuma manobra de “engenharia” de
gestão que possa resolver os problemas de um serviço
depauperado de médicos. Quando temos serviços onde
existem apenas 7-8 médicos em condições de fazer
urgência e em cada período de 24h é necessário alocar 3
ao serviço de urgência, dizer que isto é um mero problema de gestão é, formalmente, um convite à imbecilidade.
Pela minha parte, recuso-o!