Federação Nacional dos Médicos - Flipbook - 31
µ 31 | FNAMZINE | setembro 2024
Além de utente tenho médicos na família,
e tenho muitos amigos médicos,
e sei bem a vida a que são sujeitos.
Estamos do mesmo lado
desta luta em defesa do SNS
Que diagnóstico fazem do SNS, sobretudo na zona onde intervêm e como é que
acham que as coisas podiam melhorar?
Aqui ao nível de Almada e Seixal, dois
concelhos que representam cerca de
360 mil utentes, uma das maiores ULS do
país, temos problemas complexos, alguns comuns a outras zonas do país, sobretudo de Coimbra para sul. A força dos
grupos privados da saúde concentra-se
sobretudo a sul, na zona de Lisboa e Vale
do Tejo, onde o assédio é grande e exerce uma pressão que resulta numa maior
falta de médicos, se compararmos com
outras zonas do país. Vemos que os profissionais estão insatisfeitos, com os
seus salários certamente, mas sobretudo condições de trabalho.
Era preciso um novo paradigma que
abra um caminho novo onde os médicos não tenham que fazer tantas horas
extraordinárias como as que são obrigados a fazer. Além de utente tenho médicos na família, e tenho muitos amigos
médicos, e sei bem a vida a que são sujeitos. Nós sabemos que a malta mais
nova já não alinha, e bem, nessa situação. Querem dedicar também tempo às
suas famílias, às suas vidas e preservar
a sua saúde mental, que é muito duro
aquilo que enfrentam diariamente no
SNS. Nós apercebemo-nos que os médicos andam cansados. Sabemos isso
porque nós falamos muito com eles. Até
certa altura não havia muita comunicação entre profissionais e utentes, mas
felizmente essa situação foi ultrapassada. Hoje há muita comunicação e isso é
fundamental para uns e outros.
E que questões trabalham em comum? O
que vos tem levado a estar nas lutas ao
lado dos médicos?
Estamos do mesmo lado desta luta em
defesa do SNS, e por isso também temos
participado, sempre que podemos, mas
manifestações. Ainda agora estivemos
ao lado dos Médicos no Hospital de Santa Maria, onde emitimos um comunicado de apoio e participamos na manifestação de apoio à greve.
Lutamos para que os utentes entendam
que a luta dos médicos, mas também
dos enfermeiros e outros profissionais,
é uma luta em defesa do SNS e, por isso mesmo, uma luta em sua defesa. Veja
por exemplo a situação que se vive na
Obstetrícia, mas também noutros serviços, com a falta de médicos para preencher as escalas. Não adianta abrirem
concursos para mais médicos e enfermeiros, se não melhoram as condições
para essas vagas serem preenchidas. O
que os médicos têm exigido, mais médicos no SNS, é algo que os utentes também necessitam.
E o que vos parece a ideia de concentração das urgências de Obstetrícia, sugerida pelo Diretor Executivo do SNS?
Não podemos ir por aí. Os profissionais
têm repetido exaustivamente as soluções, que passam por mudança estrutural das condições de trabalho, não por
remendos desse tipo. Em alguns serviços podemos aceitar a concentração
de valências, dado o custo e a especificidade dos tratamentos, como é o caso
da medicina nuclear, mas não ao nível da
Obstetrícia.
A gravidez, de uma forma geral, trás
alegria às famílias, com a chegada de
um novo membro. Se na fase final da
gestação forem confrontadas com esta
instabilidade, com esta incógnita sobre
onde vão ou não ter o bebé, será que têm
Quem tem mais
capacidade económica
vai conseguir contratar
mais rapidamente que
os outros, gerando um
desequilíbrio de direitos,
com médicos de primeira
e de segunda, utentes de
primeira e utentes
de segunda.
tempo de lá chegar, se vão ter o bebé na
ambulância… Isto não é bom nem para
as mães nem para os bebés. Veja o caso
de Leiria, onde já andam a enviar grávidas para Coimbra e Porto. O Porto fica
a 200 quilómetros! Não é admissível.
Quem governa tem que resolver os problemas a montante, de forma estrutural,
e não olhar para o SNS como algo que se
resolve com pensos rápidos.
Têm que negociar de forma séria, sentar-se com os profissionais e reverem as
carreiras, melhorarem os salários base e
não apenas os prémios ou os subsídios,
e deixarem de obrigar os médicos a fazerem tantas horas extraordinárias.
Um dos problemas tem sido ao nível
da contratação. A mudança das regras
contribuiu para a solução ou agravou o
problema?
A transferência do recrutamento para
as ULS foi outro grande erro e o resultado está à vista, com o processo de contratação muito atrasado. Devia ter-se
mantido como um concurso nacional,
com critérios e calendário iguais para
todos. Quem tem mais capacidade económica vai conseguir contratar mais rapidamente que os outros, gerando um
desequilíbrio de direitos, com médicos
de primeira e de segunda, utentes de
primeira e utentes de segunda.
O recurso excessivo a tarefeiros também é um erro, pois esses médicos vão
ser integrados em equipas que têm piores condições do que aquelas que lhe
são oferecidas, gerando mais desigualdade e desequilíbrios. A lógica de tapar
buracos a impera e essa lógica não só
serve pior os utentes como sai mais caro
aos contribuintes.
Mas isto faz tudo isto parte da grande
estratégia de desmantelamento do SNS
para promover os serviços privados.
Isto é uma estratégia antiga, quase tão
antiga como o próprio SNS, que sempre
fez comichão a muita gente. Basta ir ver
as atas da Assembleia da República para nos lembrarmos que houve sempre
que fosse contra esta grande conquista.
Não adianta abrirem concursos para mais
médicos e enfermeiros, se não melhoram
as condições para essas vagas serem preenchidas.
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