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Entrevistas - Utentes
“TUDO O QUE FAZEM APONTA
PARA A PRIVATIZAÇÃO DO SNS”
JOSÉ LOURENÇO, Comissão de Utentes do Seixal, 67 anos
Como é que começou esta aventura de se
dedicar a uma Comissão de Utentes?
Sou utente desde que existe SNS e como
eu toda a minha família. Faço parte da
Comissão de Utentes há 15 anos e desde 2017, há sete anos, com as funções de
coordenador. Cá em casa somos todos
utentes e a certa altura interessei-me
não só em saber como as coisas funcionam, mas também em participar. Não me
interessa só saber, mas também participar ativamente para ajudar a resolver os
problemas. Entender quais são os contornos do assunto é fundamental para os
poder transformar. Não podemos tentar
alterar seja o que for se não soubermos
como é que elas funcionam.
E como se desenvolve a atividade da Comissão? Quais os seus principais propósitos?
A Comissão de Utentes é uma plataforma
de luta, mas não só. É também uma ferramenta de participação junto do SNS e
de comunicação com todos os seus profissionais para, em conjunto, encontrar e
exigir as melhores condições para o SNS.
Qual a história da Comissão de Utentes
do Concelho do Seixal?
Inicialmente eram várias Comissões de
Utentes, espalhadas pelas várias freguesias do Concelho. Em 2017, assumindo a
coordenação, aproveitando as sinergias
de todas, entendemos que o melhor era
essa agregação, e formar a Comissão de
Utentes do Concelho do Seixal. Todas
elas continuam a ter a sua atividade,
reportam o que acontece em cada uma
das freguesias, mas depois a Comissão
vai dando resposta às várias solicitações. Temos uma dinâmica bem instalada junto de todas as unidades de Saúde
da região, com reuniões regulares. Não
fazemos parte de grupos consultivos,
mas somos consultados regularmente.
Temos reuniões periódicas, pelo menos
duas reuniões anuais com as administrações, mas também reunimos sempre que
seja necessário. Em contacto quotidiano
com utentes e com profissionais, que nos
dão um retrato fiel da realidade, estamos
em condições de ajudar a identificar os
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A situação está tão confusa e tão caótica, que
o Ministério tem que começar por ouvir os seus
profissionais, e isso não tem acontecido.
problemas e ajudar a contribuir com soluções.
Como é que se relacionam com as outras
Comissões de Utentes?
Estamos no MUSP (Movimento de Utentes dos Serviços Públicos) e temos uma
relação muito próxima com os nossos
companheiros de Almada, com quem
reunimos conjuntamente sempre que
os problemas são transversais ao nível
dos dois concelhos, como é a luta pela
construção de novas unidades, equipamentos, requalificação dos edifícios,
captação de profissionais, etc.
E sentem que são ouvidos? Que a vossa
ação tem impacto? É frutífera a relação
com as administrações hospitalares e
outras esferas do poder?
Sim, mas nem sempre foi assim. Nos últimos tempos tem melhorado a relação
com as administrações, que são mais
sensíveis e abertas ao diálogo. Já sabemos que algumas delas estão condicionadas, fruto de serem lugares de nomeação política, mas a postura tem vindo a mudar nos últimos anos. A Comissão tem tido uma intervenção grande a
todos os níveis, não só ao nível das administrações hospitalares, mas também
a nível governamental. Com a Ministra
da Saúde Marta Temido tivemos várias
reuniões. Com este governo, que não sei
bem se deva chamar governo ou desgoverno, que ninguém sabe bem onde
eles andam, não nos parece útil grandes
reuniões. A situação está tão confusa e
tão caótica, que o Ministério tem que começar por ouvir os seus profissionais, e
nem isso tem acontecido.
Acha que o Ministério da Saúde e o governo estão confusos ou desorientados?
Não, não. Não caiamos no erro de achar
que o Ministério está confuso ou desorientado. Podem estar a perceber que não
terão escolhido as pessoas mais indicadas
para levar a cabo os seus planos, mas desorientados não estão. Tudo o que fazem
aponta claramente para a privatização do
SNS. Costumam ser mais subtis, mas escolheram uma ministra que entrou a partir
tudo. Essa parte não era bem aquilo que
eles queriam, mas sabem muito bem o
que querem fazer. Têm um plano concertado para desmantelar o SNS. A falta de
vontade em negociar, sobretudo com os
sindicatos mais combativos, o antagonismo da ministra face à generalidade das
classes profissionais do setor da saúde, é
tudo muito claro.
De resto, esta é já uma postura que vem do
anterior governo. Se não fosse a rendição
do Sindicato Independente dos Médicos
na última negociação, certamente os médicos teriam conseguido melhores resultados. Aquele acordo truncou completamente a dinâmica da luta e da negociação
em curso, e cortou as pernas a um acordo
justo, com muitos dos problemas que afetam o SNS resolvidos.