Federação Nacional dos Médicos - Flipbook - 27
µ 27 | FNAMZINE | setembro 2024
Estavam a acabar com este bem
precioso, este bem maior que é o SNS,
de todos e para todos, com qualidade.
Com o 25 de abril todas essas profissões
agregaram-se e organizaram-se sindicalmente. Algumas já eram associações profissionais, que era só o que o regime permitia, mas a partir dessa data avançamos
para os sindicatos. Depois de umas primeiras reuniões preparatórias, a assembleia que funda o STSS acontece em junho
de 1975. Já são 50 anos de atividade, onde
também se assistiu ao desenvolvimento
das nossas escolas, em várias unidades
hospitalares, mas não só, profissões que
se desenvolveram muito a nível tecnológico, sobretudo ao nível das técnicas de
diagnóstico e terapêutica.
E como se organiza o STSS? Nacional e internacionalmente?
Do ponto de vista nacional somos um
sindicato independente, não estamos filiados na CGTP. À imagem da FNAM somos
convidados a participar no Congresso da
Confederação, mas como organização
convidada. Internacionalmente, através
de algumas profissões que representamos, temos contato com algumas associações profissionais e sindicatos europeus.
E para que universo de profissionais fala,
no setor publico e privado?
Hoje somos um sindicato que representa
um setor que, ao nível do SNS, ultrapassa
os 10 mil trabalhadores. Depois temos o
universo privado que, neste momento e
segundo a ACSS, são cerca de 30 mil profissionais.
Temos uma boa taxa de sindicalização,
sobretudo no setor público, embora nos
últimos anos também estejamos a crescer
na representação dos profissionais que
estão dedicados ao setor privado. Ainda
há medo da parte dos trabalhadores do
privado, mas muito interesse sobretudo
pela necessidade de negociar acordos
coletivos de trabalho. Com todo este crescimento do privado este é um dos grandes
desafios que temos no futuro.
O que é que o setor atravessou, do ponto
de vista laboral, para chegar aqui?
Os ciclos de carreira na administração
pública, foram acompanhando, aquilo
que foi o desenvolvimento das nossas
formações. Tivemos uma primeira carreira em 1977, depois uma revisão em 1985.
Com o ensino superior em 1993 houve um
interregno e só em 1999 a carreira voltou
a ser revista. O maior intervalo temporal,
porém, foi entre 1999 e 2017, praticamente vinte anos sem revisão da carreira.
Ficamos fora na revisão das carreiras da
administração pública, aquela que médicos e enfermeiros conseguiram em 2009.
Nós tivemos 17 anos para rever a carreira,
sendo que na prática só entrou em funções em 2019. Passaram-se 20 anos com
a carreira congelada. Foi um processo
longo, duro, com muitas lutas, com muito
desgaste para os profissionais, que finalmente conseguimos concretizar.
E como está a situação nos dias de hoje?
Ainda hoje há um grande descontentamento por toda esta demora, sem paralelo na administração pública. Sabemos
que tudo é possível acontecer no Ministério da Saúde, mas o nosso caso foi particularmente atípico. Já sabemos que há
muitos interesses contraditórios na Saúde. Houve um Ministro, o Paulo Macedo,
no tempo da troika, quando o orçamento
era metade do que é hoje, que disse que
metade do orçamento para a Saúde era
para entidades que estão fora do SNS.
Entendemos bem que há muitos interesses em jogo. Na nossa área tivemos um
exemplo disso no caso da resposta à Pandemia, na realização dos testes. Podia ter
sido privilegiada a resposta dentro do
SNS, era uma questão de organização,
mas preferiu-se apostar em entidades
externas ao SNS, no caso os laboratórios
privados.
O SNS não devia ser suficiente, ter capacidade instalada para dar resposta sem
precisar de recorrer a fornecedores de
serviços externos?
Não sei se devia ou não. Sei que não tem.
Não tenho dúvidas, e para nós é claro,
que quando se estabeleceu o modelo de
funcionamento em rede, a questão da internalização ou não internalização ia ser
central. Nós sabemos que não há capacidade instalada dentro do SNS para fazer
tudo. Já compramos muito fora.
Os grandes hospitais fazem concurso para TAC, ressonância, etc. É preciso potencializar ao máximo o que existe dentro do
SNS, mas hoje é impossível acharmos que
conseguimos fazer tudo no SNS. Não só
pela questão do equipamento, mas também pela questão da falta de profissionais. Essa inevitabilidade não devia ser
feita por via do abuso das horas extraordinárias, com o tem acontecido até aqui.
“Não basta investir
em equipamentos,
é preciso trabalhadores.”
E têm sócios que não querem fazer mais do
que as horas suplementares a que estão
obrigados?
Sim, como tem acontecido com os médicos,
embora com menos expressão. Também
sentimos que há cada vez mais técnicos
superiores de diagnóstico que se recusam
a fazer mais do que os limites máximos de
horas suplementares a que estão obrigados. Sobretudo aqueles que trabalham por
turnos, que têm especial impacto nos serviços de urgência.
E que com que outras questões se debatem?
Outra das questões que temos, são os desafios relacionado com os direitos da parentalidade. Há cada vez mais homens a
exercer esses direitos, mas continuam a ser
sobretudo as mães e isso sente-se muito
nas nossas profissões. Temos também falta
de profissionais.
O número de profissionais está tão diminuído que qualquer situação fora do previsto geram insuficiências nas escalas. Não
basta investir em equipamentos, é preciso
trabalhadores.
É significativa a fuga dos profissionais para
o estrangeiro?
Não temos a pressão que sofre, por exemplo, a enfermagem, que tem cerca de 50%
dos profissionais a emigrarem, mas também é significativo o número de profissionais a irem para o Reino Unido, a Suíça, e
outros países do norte da Europa.
Como tem sido com o atual governo e a
atual ministra?
A principal reivindicação era começar o
processo negocial com o MS. Não foi fácil,
foi preciso um pré-aviso de greve, mas lá arrancou. Com o anterior governo estávamos
em negociações que foram interrompidas.
E que reivindicações têm em cima da mesa?
A questão da tabela salarial, mas também
questões com a avaliação de desempenho,
pois não temos adaptação ao SIADAP.
Por causa do processo atípico da atualização das carreiras temos várias situações
complexas, em função do tipo de contrato
que os profissionais têm em vigor. Depois
temos questões que se prendem com a
natureza das nossas funções, questões relacionadas com o risco biológico, a exposição à radiação e aos citotóxicos, e por isso
deviam ser pensados condições mais favoráveis ao nível da aposentação e de adaptação dos regimes laborais. O desgaste de
quem trabalha em saúde tem que ser levado
muito a sério. Nas nossas profissões, mas
nas outras também. Vemos pessoas muito
cansadas, exaustas. Ao nível da radiologia
temos colegas que com a idade deixam de
conseguir fazer determinadas funções.
Outro tema importante é a segurança e a
saúde no trabalho. É uma área fundamental
que tem sido sistematicamente descurada.
Há muito poucas respostas nos locais de
trabalho. Era necessário haver respostas e
medidas concretas. Não podem ser formalidades. Tem que ter impacto pratico nas práticas de saúde. O burnout é nesse aspeto um
dos problemas principais.
E como fazer para abrir novas perspetivas?
Temos dito e é um grande desafio, olhar para as carreiras da saúde de uma outra forma.
Foram pensadas há 20 anos, numa estrutura
que hoje não atrai os profissionais. Se a carreira não for atrativa, as pessoas não ficam.
Ouço muito a presidente da FNAM, a Joana
Bordalo e Sá, a dizer algo com que concordo
muito. A sociedade mudou de paradigma.
As novas gerações querem ter tempo para
viver, para fazer o seu desporto, ter tempo
para a sua formação e a atualização de conhecimento. O desenvolvimento está muito
acelerado, exige dos profissionais que estejam sempre a atualizar conhecimento. Os
profissionais que apostam e querem estar
atualizados, têm que ser reconhecidos. As
carreiras estavam pensadas em função do
desenvolvimento normal na administração
pública, sem valorizar estas questões.
E o que é que acontece?
O que vemos hoje é que a carreira para as
pessoas não é atrativa. Sei bem que não há
carreiras perfeitas, mas não basta limitar o
debate à questão salarial. A qualidade, as
condições e a estabilidade do trabalho são
fundamentais. Só o dinheiro não é suficiente, as pessoas querem ter melhores condições de vida.
Com o anterior governo estávamos
em negociações que foram interrompidas.
µ FNAMZINE | GRANDES ENTREVISTAS