Federação Nacional dos Médicos - Flipbook - 25
µ 25 | FNAMZINE | setembro 2024
Usamos todas as formas de
luta ao nosso alcance para defender
os direitos dos enfermeiros.
tuição no fim da jornada de trabalho, mas também
diz que temos o dever de continuar o turno até ser
substituídos. Essa realidade impede por exemplo,
a recusa do trabalho extraordinário. Esta realidade
faz com que muitas chefias se preocupem pouco em
salvaguardar escalas completas, porque sabem que
de uma forma ou de outra têm o problema resolvido.
ponto de vista internacional, relacionam-se com
outros sindicatos de enfermeiros?
Participamos na Federação Europeia de Enfermagem e no Conselho Internacional de Enfermeiros
e estamos envolvidos no ‘Global Nurses United’.
Depois temos contactos diretos com sindicatos de
enfermeiros de vários países na Europa.
Mas tem que haver uma altura em que o direito de parar e o dever de continuar entram em choque, e que
por salvaguarda dos utentes e dos profissionais não
se pode continuar. Como fazer nessas situações?
Estamos condenados a trabalhar em exaustão até
que os governos entendam que têm que contratar
mais enfermeiros. É uma das nossas lutas. Pelas nossas contas faltam 21 mil enfermeiros em Portugal. O
entendimento da tutela é que faltam apenas 14 mil.
E estes números não têm ainda em conta as necessidades do incremento da rede de cuidados continuados, do plano de emergência proposto pelo governo
para a saúde mental, os cuidados paliativos, o apoio
domiciliário, entre outras medidas que exigem mais
profissionais de saúde. Os sucessivos governos preferem uma lógica de incentivo ao trabalho suplementar, do que a melhoria das condições e aumento das
contratações.
Sabemos um número, estamos perto de cumprir
com o número ideal para as equipas trabalharem
em pleno?
O número de horas de cuidados de enfermagem
varia de doente para doente, em função das suas
necessidades, pelo que um rácio linear não faz
sentido. Ora, para termos noção, em Portugal nenhum hospital, cumpre esse valor. Um serviço com
40 camas de doentes totalmente dependentes, no
turno da manhã devia ter entre 10 a 12 enfermeiros,
no turno da tarde entre 6 a 8 e no da noite 5. Há
rácios que estão estipulados por normas internacionais, que definem essas equipas. Nos cuidados
intensivos devia haver um enfermeiro para cada
dois doentes. As pessoas não podem continuar
a chegar ao SNS e não obter respostas. Temo que
com a situação que se vive, aumentem os casos de
agressão contra os profissionais de saúde. O centro
do problema é a falta de profissionais e de condições para os fixar no SNS.
Há intenção do governo de avançar com algo parecido ao que foi, nos médicos, a Dedicação Plena?
Há, mas ainda não foi regulamentado.
Vamos ter que colocar no âmbito das negociações
que se vão desenrolar. A Ministra já disse que isso estará em cima da mesa, mas a nossa posição continua
a ser a mesma, a mais lógica, que é a Dedicação Exclusiva. Entendemos que, se a valorização das carreiras
for uma realidade, isso é algo que fará com que muitos profissionais de saúde regressem ao SNS. Desde logo pela valorização da sua vida pessoal. O que
vemos são governos mais preocupados com a saúde
dos privados do que com a saúde do SNS público.
Como têm sido as formas de luta e a sua mobilização?
Temos tido várias plenários, greves e manifestações.
As greves com grande adesão têm funcionado. Usamos todas as formas de luta ao nosso alcance para
defender os direitos dos enfermeiros e do SNS.
Vejo que atrás de si está um cartaz de uma campanha dos ingleses em defesa do NHS (SNS inglês). Do
Têm resistido à generalização dos prestadores de
serviço e à precariedade dos vínculos laborais?
Temos conseguido de alguma maneira resistir à
generalização da precariedade, que é uma das lutas do SEP. Normalmente conseguimos que não se
perpetue uma situação de recibo verde, e os enfermeiros acabam por conseguir contrato. Contribui
para essa realidade não haver a situação que há
nos médicos, com os médicos tarefeiros que não
estão vinculados ao SNS. Na enfermagem, pode
haver recurso pontual a prestadores de serviços,
mas esses serviços têm que ser prestados por
quem está vinculado ao SNS. Acontece pontualmente um enfermeiro do INEM ir fazer alguns turnos no serviço de urgência, mas não há quem se
dedique exclusivamente a esse expediente. Uma
das lutas deste verão foi a admissão de um grupo
de enfermeiros que tinham sido contratados a recibos verdes no tempo da pandemia e que ainda
não tinham sido integrados.
A Ministra insiste que o SNS está melhor do que estava o ano passado, que há menos encerramentos. Como comenta?
Se essa afirmação não fosse dramática dava vontade de rir. Durante o governo anterior, foi quando começou o problema do encerramento de alguns serviços. E lembro do que disseram então
os partidos que estavam na oposição. O que a senhora ministra
está a dizer é que isso é uma prática que veio para ficar. A acessibilidade, com segurança e qualidade, do SNS devia ser algo
garantido para todos os cidadãos. A degradação que o SNS está
a vivenciar, por culpa dos sucessivos governos, é uma evidência desde que eu estou na profissão. Veja-se o custo dos exames
complementares de diagnóstico, em grande medida já estão entregues aos privados. O valor que é gasto aí podia ser investido
na capacidade do SNS em realizar esses exames. A necessidade
de contratualizar tem um custo muito elevado.
A Ministra diz que as apostas nas linhas de apoio, nomeadamente no caso das grávidas, são estratégicas e que têm aliviado as
urgências. É correta essa avaliação?
Portugal sempre foi muito avançado nessa matéria, e bem usado, pode ser uma boa ferramenta. A referenciação ajuda à agilidade do encaminhamento, e não terem que esperar tanto. Pode
ser positivo, mas para ser bem feito são necessárias muito mais
pessoas, com a devida formação. Não pode é ser colocada como
alternativa. Deve ser vista como uma ferramenta de auxílio do
SNS. É um equívoco pensar que as linhas de apoio, por si só, vão
resolver o problema.
Como é que olham para o processo negocial? O que é prioritário
para a enfermagem?
Desde logo e à cabeça de tudo está a valorização da carreira de
enfermagem. Os enfermeiros são hoje os licenciados no âmbito
da saúde, à semelhança dos técnicos de diagnóstico e terapêutica, dos mais mal pagos. Um enfermeiro que em 2005 estivesse
no terceiro escalão a ganhar 1300 euros, com 9 anos de trabalho,
em 2017, devia estar a ganhar 2220. Com uma agravante. Sempre
tivemos paridade com a carreira técnica superior, e há dois anos
perdemos essa paridade. A carreira que nos foi imposta em 2019,
resultante de um processo negocial muito atípico, resultou em
movimentos inorgânicos com medidas pouco populares como a
greve cirúrgica, que pela primeira vez isolaram os enfermeiros da
população e deu aso ao governo para encerrar as negociações e
legislar sem acordo. O resultado é que temos uma carreira que
não tem respeito pela progressão. Exigimos uma equidade entre
o sistema de carreiras de todo o sistema da saúde, de resto, conforme está expresso na Lei de Bases da Saúde.
E o caderno reivindicativo, em que outros sentidos aponta?
Estamos também a defender formas de compensação pelo risco
e penosidade, através, nomeadamente, dos critérios de antecipação da reforma. A nossa profissão, tem um impacto direto na
nossa esperança de vida. Não aceitamos que tenhamos que trabalhar até aos 66 anos e 7 meses, com a perspetiva de aumentar.
Exigimos também a admissão de mais enfermeiros, na perspetiva que a valorização da carreira os retenha, e deixem de emigrar seja para o privado, mas sobretudo para o estrangeiro. Nós
estamos em contacto com as escolas de enfermagem, e quando
colocamos a questão aos futuros enfermeiros sobre o que estão a pensar fazer e mais de metade diz que vai emigrar. Todos
os anos as escolas formam 3600 a 4000 enfermeiros. Teríamos
enfermeiros mais do que suficientes, faltam é condições para os
fixar no SNS.
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