Federação Nacional dos Médicos - Flipbook - 22
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Autora Convidada - Ana Matos Pires
Uma realidade
que não pode ser ignorada
ASSÉDIO LABORAL:
ANA MATOS PIRES - Psiquiatra, Assistente Hospitalar Graduada Sénior, Diretora do Departamento de
Saúde Mental da ULS do Baixo Alentejo e Membro da Coordenação Nacional das Políticas de Saúde Mental
O assédio laboral, também conhecido como assédio
moral no trabalho ou mobbing, é uma forma de comportamento abusivo, hostil ou humilhante que visa
desestabilizar emocionalmente a vítima, criando um
ambiente de trabalho tóxico e prejudicial.
Importa referir que, no nosso país, o crime de assédio
geral não está penalizado no Código Penal (CP). A alteração deste instrumento jurídico de agosto de 2015
determinou que as “propostas sexuais” não desejadas
têm pena de prisão até três anos, tendo esta alteração
no quadro jurídico do crime de “importunação sexual”
resultado da transposição para o ordenamento jurídico nacional da Convenção de Istambul - a Convenção
do Conselho da Europa para a prevenção e o combate
à violência contra as mulheres e a violência doméstica
assinada em 2011 em Istambul, aprovada pela Resolução da AR n.º 4/2013, de 21 de Janeiro. Contudo, ao contrário do que é defendido pela Convenção de Istambul,
a alteração legislativa não individualiza o crime de assédio geral.
Pelo contrário, o Código do Trabalho penalizou o assédio laboral (apenas) em 2017, através da publicação da
Lei 73/2017, de 16 de agosto, e que entrou em vigor a 1
de outubro do mesmo ano. O seu sumário refere “Reforça o quadro legislativo para a prevenção da prática
de assédio, procedendo à décima segunda alteração
ao Código do Trabalho, aprovado em anexo à Lei n.º
7/2009, de 12 de fevereiro, à sexta alteração à Lei Geral
do Trabalho em Funções Públicas, aprovada em anexo
à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, e à quinta alteração ao
Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro”.
Vale a pena contar a história que determinou esta alteração legislativa, sobretudo porque demonstra a pouca atenção que até então tinha sido dada a um assunto
que atinge tantas pessoas no país e no mundo.
Estudos anteriores a 2016 mostravam uma acentuada
discrepância entre os casos identificados e o número
irrisório de queixas entradas na Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) em matéria de
assédio sexual e/ou moral no trabalho. O número que
chegava aos tribunais era ainda mais residual.
Se um em cada seis trabalhadores portugueses tinha alguma vez sido vítima de assédio moral durante
a sua vida profissional como é que as queixas oscilavam apenas entre
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uma e nove por ano? “O Projeto “Assédio Sexual e Moral
no Local de Trabalho” foi promovido pela Comissão para
a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) e desenvolvido por uma equipa de investigação do CIEG-ISCSP/
ULisboa, coordenada por Anália Torres, constituída por
Dália Costa, Bernardo Coelho, Helena Sant´Ana e Isabel
Sousa. Deste projeto resultaram um livro, um manual
de formação em português, um ebook em inglês e um
policy brief em português e em inglês. Na sequência da
publicação do estudo, Anália Torres e Bernardo Coelho
estiveram entre as entidades ouvidas pelo Grupo de
Trabalho da 10.ª Comissão Parlamentar – Assédio no
Local de Trabalho, na Assembleia da República, a 27 de
abril de 2017. Os resultados do estudo contribuíram de
forma decisiva para o conhecimento das situações de
assédio vividas nos locais de trabalho e para a mudança
da Lei.”. A equipa coordenada pela socióloga Anália Torres verificou que 16,5% da população ativa portuguesa
já alguma vez tinha sido vítima de assédio moral durante a sua vida profissional e 12,6% tinha sofrido uma
qualquer forma de assédio sexual no local de trabalho.
A lei 73/2017, de 16 de agosto, tem algumas novidades,
nomeadamente:
Proíbem-se todos os tipos de assédio no trabalho,
mesmo aqueles que não se verificam no local de trabalho. Ou seja, tomou-se em linha de conta a hipótese
A lei 73/2017, de 16 de agosto,
tem algumas novidades,
nomeadamente: Proíbem-se todos
os tipos de assédio no trabalho,
mesmo aqueles que não se
verificam no local de trabalho.
do/a trabalhador/a ser vítima de assédio laboral por
email ou telefone.
Se as falhas no desempenho das funções são decorrentes do assédio, o despedimento é abusivo.
Os custos serão também para a imagem do empregador, uma vez que todos as estruturas ou entidades
que forem condenadas por assédio laboral passarão
a constar de uma “lista negra” - as condenações têm
de ser tornadas públicas no site da Autoridade para as
Condições de Trabalho (ACT). É uma sanção acessória
obrigatória. O desgaste leva igualmente com frequência a baixas médicas. Nesse sentido, a nova lei imputa às empresas todos os custos relacionados com as
doenças profissionais decorrentes do assédio.
Note-se que vai ser preciso acrescentar a depressão à
lista de doenças profissionais, e que ficou o compromisso do Governo avançar rapidamente com a regulamentação dessa parte da lei.
O assédio laboral pode ser causado por diversos fatores, incluindo questões organizacionais, culturais e
pessoais. Em muitos casos, a falta de políticas claras
e eficazes de recursos humanos facilita a perpetuação desses comportamentos. Além disso, ambientes
de trabalho competitivos e muito hierarquizados podem incentivar atitudes abusivas como uma forma de
manutenção de poder. A estrutura de personalidade
e o caráter do/a agressor/a também desempenha um
papel crucial, uma vez que indivíduos com tendências
autoritárias ou com baixa inteligência emocional são
mais propensos a cometer assédio laboral.
As práticas de assédio podem ser verbais, psicológicas
ou físicas e, muitas vezes, são realizadas por superiores hierárquicos, colegas de trabalho ou até subordinados. O impacto do assédio laboral vai muito para além do ambiente de trabalho, afetando a saúde geral das vítimas. O impacto na saúde mental
pode ser significativo, afetando não apenas o
bem-estar emocional, mas também o desempenho laboral e a qualidade de vida em geral.