Federação Nacional dos Médicos - Flipbook - 13
µ 13 | FNAMZINE | setembro 2024
Médicos - Internos
“Temo que a Anatomia Patológica seja
uma especialidade com um lugar cada
vez mais ‘reservado’ no SNS”
que observamos ao microscópio), o que encadeia
com o seguinte problema que gostaria de mencionar. Decorrente da falta de investimento no SNS e
da transferência de meios e recursos humanos para
os privados, o que ocorre no IPO e noutros lugares
é uma carência de técnicos de anatomia patológica, que desempenham múltiplas funções no serviço, seja de apoio ao registo macroscópico, como de
trabalho no processamento das amostras até efetuar técnicas imunohistoquímicas que são fundamentais para o nosso exercício diagnóstico. Havendo falta de recursos humanos, os técnicos são alocados de umas áreas para outras, e por vezes há necessidade de os internos colmatarem a ausência de
um 3º elemento no registo macroscópico, o que nos
tira tempo que devia de ser destinada para a observação de exames com os especialistas ou para outras tarefas.
O registo macroscópico é essencial para a adequada análise dos exames, por isso um interno tem de
saber executá-lo, mas não pode ser função do interno comprometer a sua formação da área da microscopia para cobrir a ausência de profissionais porque o serviço não teve a capacidade (ou a mesmo
a permissão de ordem superior) para os contratar.
Isto é uma ocorrência muito comentada pelos internos mais velhos, que já numa fase em que o registo macroscópico devia de ser uma atividade mais
“secundária”, visto que já exerceram essa atividade
com maior frequência nos primeiros anos, acabam
por ser chamados novamente a exercer essas funções quando deviam estar a investir a sua formação
nessa fase no ganho de autonomia com a observação independente de exames microscópicos.
Através do meu contacto com internos de diferentes
hospitais que vêm fazer estágios no Serviço de Anatomia Patológica do IPO do Porto também observo
que existe uma grande heterogeneidade no internato de cada um, o que traz também problemas específicos para cada interno. Uma coisa que aparenta ser transversal não só a esta especialidade, como
a todas é a necessidade de fazer currículo.
Como interno sinto sempre a pressão de estar à procura do próximo congresso ou curso pertinente, de ter
uma boa prestação na apresentação de algum trabalho
ou de ideias para artigos. A conciliação entre todas estas tarefas e ainda o estudo torna-se muito difícil e por
vezes sinto que sou obrigado a prescindir de outras atividades extra-trabalho.
Acredito na necessidade de formar bons profissionais,
mas o modelo de testar competências tem de ser revisto e o foco deve de mudar do caminho de “máquinas
de produção de currículo” para a formação de profissionais competentes em vários domínios da sua especialidade.
O interno acaba por ter que dar o máximo da
Cada exame anatomopatológico passa unisua capacidade na produção de currículo, no
estudo e no exercício diário da sua profissão
camente a ser uma tarefa a cumprir como
se quiser ter hipóteses de um lugar no hospital que pretende no final da especialidameio de subsistência ao final do mês ou pade, ainda tendo que esperar que abram vagas
ra incrementar os meus ganhos financeiros,
nesse local, mesmo havendo carência de médicos no SNS, chegando-se ao ridículo de mée perde-se o papel humanista de médico
dicos que concluíram o internato com exceque não pode ser esquecido nesta e noulente aproveitamento estarem numa situação
de incerteza quanto ao seu futuro, o que muitras especialidades de diagnóstico.
tas vezes o leva a escolher a opção de trabalhar no setor privado ou noutro país.
Por último, no seguimento do tópico da incerteza quan- tomopatologistas no SNS, invertendo o rumo que se está
to ao futuro, temo que a Anatomia Patológica seja uma a tomar e permitindo aos internos acreditar num futuro
especialidade com um lugar cada vez mais “reservado” digno para eles e para os doentes.
no SNS.
Faço um apelo aos meus colegas internos (e não só) paMuitos anatomopatologistas abandonam o SNS para ra acreditarem e lutarem pelo SNS, como anatomopatoprocurarem melhores condições noutros locais, porque logista quero que o exame que tenha a minha frente seja
o público deixa de as oferecer.
um meio de auxiliar os meus colegas a chegar a um diagEnquanto nalguns hospitais os exames vão sendo ca- nóstico que permita o melhor tratamento possível a um
da vez mais externalizados, noutros mais centrais e es- doente, num sistema integrado multidisciplinar, univerpecializados, como o caso do IPO, vão recebendo casos sal e gratuito. A partir do momento em que cada exame
cada vez mais complicados e que implicam maior em- anatomopatológico passa unicamente a ser uma tarefa
preendimento de tempo, mas sem tradução em termos a cumprir como meio de subsistência ao final do mês ou
salariais e com um aumento do stress do profissional. para incrementar os meus ganhos financeiros, perde-se
Acredito que só a valorização salarial e melhores con- o papel humanista de médico que não pode ser esquecidições laborais permitirão uma maior captação de ana- do nesta e noutras especialidades de diagnóstico.
Não pode ser função do interno comprometer a sua
formação da área da microscopia para cobrir a ausência de
trabalhadores porque o serviço não teve a capacidade”.
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